Assembleia de Deus

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terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Uma Defesa da Contemporaneidade do Dom de Línguas


por Zwinglio Alves Rodrigues*



Resumo: Este artigo pretende mostrar que o dom de línguas manifestado na igreja primitiva não ficou circunscrito ao primeiro século da era cristã. Uma significativa parte da igreja protestante advoga que a glossolalia (palavra grega para “falar em línguas”) continua atual e atuante no seio da Igreja. Nós comungamos com esta defesa. Para articular esta defesa da contemporaneidade do dom de línguas, valemo-nos de uma pesquisa bibliográfica. No texto que segue, inicialmente, fazemos uma abordagem do Novo Testamento destacando passagens clássicas que versam sobre nossa temática. Depois, pesquisamos de modo breve a presença das “línguas” no período pós-apostólico e, por fim, oferecemos uma interpretação da disputada referência de 1ª aos Coríntios 13:8-10, 12. Nas considerações finais, alongamos um pouco mais a discussão fazendo menção à controversa passagem de Marcos 16: 9:20 e relacionando alguns nomes de estudiosos de denominações diferentes que defendem a contemporaneidade do dom de línguas.




Palavras-chave: Dom de Línguas. Continuismo. Cessacionismo.



Introdução
Como denota o título do artigo, pretendemos aqui articular uma defesa da contemporaneidade do dom de línguas. É histórico o debate (e a discórdia) que envolve os chamados continuistas[1] e cessacionistas[2]. No passado, mais precisamente em referência ao avivamento darua Azusa, por exemplo, a divergência era tão acentuada que alguns fundamentalistas disseram do dom de línguas como sendo “essa tagarelice satânica”. Porém, o debate hoje em dia cada vez mais se no âmbito dialogal.
Talvez, esse debate esteja arrefecendo devido à adesão de líderes piedosos de destaque no cenário internacional ao seguimento continuista, fato que possivelmente esteja nos levando para o sepultamento da necessidade de discutirmos a contemporaneidade do domde línguas. É verdade que não devemos esperar que todos os cessacionistas se tornem continuistas, contudo, pode ser que cheguemos ao ponto de vermos pessoas debatendo sobre isso sozinhas.
Enquanto esse tempo não chega, entendemos que o debate no nível dialogal e do respeito é sempre bem vindo. Ninguém duvida que ambos os lados tem muito a aprender um com o outro. Se souberem submeter as divergências ao amor, uma união, marcada pela graça que superabunda, pode surgir.
defesa que segue pautar-se-á em uma breve abordagem do Novo Testamento. Serão destacadas a experiência do Dia de Pentecostes e outras referências no livro de Atos que apresentam o fenômeno das línguas. Depois, um comentário sobre o dom de línguas em 1ª aos Coríntios será tecido. Na sequência, serão repassadas algumas informações sobre o dom de línguas no período pós-apostólico. Nesse momento, uma tentativa de demonstrar a presença do dom de línguas durante o período patrístico será levada a efeito. Posteriormente, será comentada, de relance, a ausência de relatos sobre as línguas por parte dos reformadores. Em seguida, alguns destaques serão dados à manifestação do fenômeno no período pós-reformadores e, por fim, desaguaremos no século XX tecendo breves considerações. Dentro desse percurso, discutiremos Finalmente, uma interpretação de 1ª aos Coríntios 13:8-10, 12 será apresentada.

Uma Breve Abordagem Neotestamentária
“Falar em Línguas” no dia de Pentecostes

O fenômeno das línguas no Pentecostes Cristão não parece apresentar nenhuma dificuldade de aceitação. Naquela data, os crentes reunidos “ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas” (At 2:4).
As línguas – glossa no grego – que os crentes falaram eram dialektos, idiomas estrangeiros usados para louvar a Deus (proclamação de Suas grandezas – v.11) e não para evangelizar. Alguns advogam a tese de que as línguas faladas em Atos 2 serviram como meios de evangelização. Tal conclusão é problemática. Cento e vinte pessoas falando ao mesmo tempo variedades de línguas não torna nenhum contexto favorável a qualquer trabalho evangelístico. Embora tenha sido possível a quem escutava àquele conjunto de vozes compreender palavras soltas, o máximo que um quadro como esse pode representar é o de estado de embriaguez (2:13). O evento serviu para atrair a atenção das pessoas que estavam no entorno do Cenáculo, depois, a evangelização ocorre com o poderoso discurso de Pedro registrado a partir do versículo 14. Além de servir como fator de atração da atenção dos judeus, os acontecimentos sobrenaturais serviram como sinal dopoder de Deus sobre e a favor dos seguidores de Jesus, o Senhor e Cristo a ser apresentado imediatamente depois dos eventos extraordinários.
A descrição do evento é fantástica:
Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar; de repente veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam assentado. E apareceram, distribuídas entre eles, línguas como de fogo, pousou umasobre cada um deles, Todos ficaram cheios do Espírito Santo, e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lehs concedia que falassem. (At 2:3-4)
É neste dia de Pentecostes, envolto no milagre eterais glôssais (falar em outras línguas), que a Igreja começa.

Evidências Posteriores do “Falar em Línguas” em Atos

A partir de Atos 10:44 temos o “Pentecostes” Gentílico. Na casa de Cornélio, em Cesaréia, o fenômeno das línguas ocorre novamente e, nesse contexto, elas eram ininteligíveis aos que as escutavam, visto não haver necessidade de pregar e/ou ensinar a alguém de um idioma humano desconhecido. Elas foram pronunciadas por pessoas já devidamente evangelizadas e convertidas. As línguas aqui serviram como provas da descida do Espírito Santo sobre os gentios.
Uma pergunta brota: Teria sido por força paradigmática, as “línguas” (glossais) faladas por esses gentios, línguas humanas conhecidas? Os que dizem sim jamais poderão defender satisfatoriamente a necessidade da manifestação de línguas conhecidas neste momento. Não há como escusar-se do fato de que as Escrituras não exigem que o falar em línguas humanas conhecidas, como ocorrera em Atos 2, se torne um padrão para todos os demais casos. Quem afirma isso parte apenas e exclusivamente de um entendimento particular, fato que enaltece uma teologia e não uma boa interpretação.
É evidente que o fenômeno ocorrido na casa do centurião romano Cornélio – do mesmo modo o de Éfeso (At 19:2-7) e, possivelmente, o de Samaria (At 8:14 ss) – não é repetição do fenômeno de Atos 2 com suas necessidades específicas. Os defensores de que as línguasfaladas em Atos 2 devem servir de paradigma obrigam-se , por uma questão de coerência, a requerer que todos os aspectos do evento se repetissem, no entanto, isso deve estar fora de cogitação. Em não ocorrendo os mesmos fenômenos, temos demonstrado mais uma vez a “multiforme graça de Deus” (1ª Pe 4:10) que manifesta-se e concretiza-se de muitas maneiras na vida do homem. A linearidade que os cessacionistas exigem para os demais fenômenos com línguas em Atos é um enquadramento que não se sustenta.
É importante nesse momento, trazer a baila um comentário do Dr. Wayne Grudem sobre a palavra glossa e a alegação daqueles que insistem que as línguas sempre devem ser humanas conhecidas:
Alguns acreditam que glossa, em outros textos gregos (fora do Novo testamento), refere-se a línguas humanas conhecidas, de modo que deve referir-se também no Novo Testamento a línguas conhecidas. Mas essa objeção não é convincente, já que não havia outra palavra grega mais apropriada para designar esse fenômeno, mesmo que implicasse falar a Deus em línguas não humanas ou qualquer tipo de língua não plenamente desenvolvida, desde que algum conteúdo ou informação fossem transmitidos pelo discurso. (1999, p. 924)
Digno de nota é o fato de que em sua crítica à atualidade do dom de línguas, o respeitado teólogo cessacionista John MacArthur (2002) na insistência de que glossasempre tem que ser línguas humanas, não trabalha essa informação significativa de Grudem.
As “Línguas” em 1ª aos Coríntios
A abordagem clássica sobre as línguas aparece nos capítulos doze e catorze desta epístola. A seguir, uma atenção maior será dada às referências 14:2 e 18, porém, é importante antes destacar e comentar brevemente 1ª Coríntios 13:1. Esta referência diz: “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine”. Para alguns intérpretes, ao referir-se às línguas dos anjos, o apóstolo estava empregando uma hipérbole. Para outros, independente destas palavras tratarem de possibilidades hipotéticas ou reais, não se deve desconsiderar a associação de tais palavras com línguas angelicais. Outros tantos são taxativos ao afirmar que Paulo está admitindo a possibilidade de alguém com o dom falar as línguas dos anjos. A segunda maneira de lhe dar com a referência parece mais equilibrada, por isso a adotamos.
As Escrituras não tratam de tipos de línguas pronunciadas por anjos. Quando eles aparecem falando aos humanos fazem isso a partir dalíngua destes. Nada mais (sobre) natural. No entanto, não há nada do ponto de vista escriturístico que impeça a suposição da existência de língua(s) própria(s) pertencentes a esses seres. Talvez, 1ª aos Coríntios 13:1 fundamente isso. É sabido que os rabinos discutiam sobre a natureza das línguas desses seres e que o controverso Orígenes tratavam-nas como superiores às humanas. Porém, isso é difícil de ser averiguado.

Feito esse destaque, retornemos aos capítulos clássicos.

Temos, no capítulo doze, a apresentação das línguas como um dos dons espirituais (charismata): “a um variedade de línguas” (12:10). O dom de línguas aqui é o mesmo a respeito do qual Paulo discorre no capítulo catorze. A título de lembrança, o fenômeno das línguas não se restringe à igreja de Corínto, mas o encontramos em Jerusalém, Cesaréia, Éfeso e, possivelmente, em Samaria. Ainda para alguns, elas aparecem também em Roma (Rm 8:26-27).
No capítulo 14:2 o apóstolo escreveu: “quem fala em outra língua, não fala a homens, senão a Deus, visto que ninguém o entende, e em espírito fala mistérios”. Sobre essas palavras MacArthur diz que são sarcásticas, condenatórias, e não comendatórias. No entanto, essa leitura pode não passar de impressões pessoais. Não se pode negar que no capítulo existam momentos de exortação (preferimos esta palavra no lugar de “condenação”), porém, tais palavras não parecem exalar odores de condenação e sarcasmo. Ao que parece, estamos diante de uma ação pedagógica interessada em esclarecer finalidades e ordenar situações sem o uso dos meios propostos por MacArthur.
Nesse processo didático, o apóstolo explica que o dom de línguas cumpre um papel específico e particular na vida de quem o possui. As línguas faladas em Corinto serviam a propósitos diferentes do de Pentecoste. Aqui elas tornam-se discursos dirigidos a Deus em forma de oração e/ou louvor que redundam em edificação para quem as fala (14:4). A palavra “edificando” é usada para denotar edificação espiritual que resulta em desenvolvimento espiritual. Ou seja, algo de significativo do ponto de vista da adoração, da doutrina e ético deve ser falado, pois é função de todos os dons, no final das contas, conduzir o crente à imagem metafísica e moral de Cristo.
No versículo 28 Paulo indica mais uma vez a edificação pessoal via o falar em língua quando orienta que sem a presença do intérprete que possibilita a edificação corporativa, o crente dotado do dom deve falar “consigo mesmo e com Deus” desfrutando de todo conteúdo de edificação para si, isso, mesmo que nada entenda. Esse falar em língua não significa falar no coração ou sem ruído, pois isso contraria o sentido primário do verbo grego lalein (falar audivelmente) e a natureza de qualquer língua que seja. A idéia por trás de “fique calado na igreja” consiste em não se separar em pleno culto público como quem estivesse realizando um culto particular liberando palavras incompreensíveis para os demais.
O caráter de edificação particular do dom de línguas esboçado neste capítulo, muitas vezes é atacado com o argumento de ser o mesmo de natureza egoísta, pois quem beneficia-se com ele é quem o tem. Ora, isso é reduzir desavisada e/ou maldosamente a importância desse dom também para o Corpo. A equação é simples: quem edifica-se via dom de línguas (ou, poderíamos dizer, via oração, estudo e reflexão da Palavra, por exemplo) apto está para edificar o Corpo e o edificará, fatalmente. Logo, em última análise, também o dom de línguasconverge para os interesses da coletividade.
Não negamos que alguém dotado do dom possa ter motivações egoístas, pois está evidente que na igreja de Corinto existiam pessoas movidas por esse danoso sentimento visto estarem interessadas no caráter teatral das línguas. Porém, isso é um problema do portador dodom e não deste.
Eram essas línguas para edificação que o apóstolo praticava fora da igreja: “Dou graças a Deus, porque falo em outras línguas mais do que todos vós” (14:18). É isso se constitui em um vigoroso indício de que as línguas não são idiomas estrangeiros. Grudem comenta: “Se fossem línguas estrangeiras que estrangeiros pudessem compreender, como no Pentecostes, por que Paulo falaria mais que todos os coríntios em particular, onde ninguém poderia compreender, em vez de falar na igreja, onde os visitantes estrangeiros poderiam compreender?” (1999, p. 924)
Digno de nota é o fato de que o texto grego apresenta a forma plural “línguas” e não diz “diferentes tipos de línguas”. Disso, deduz-se que o apóstolo enfatiza mais sua condição de falar em línguas do que qualquer capacidade de falar diferentes línguas conhecidas (KISTEMAKER, 2004). Diante de tudo isso, ao que parece, a conclusão mais apropriada é admitir que o apóstolo está falando de uma“linguagem de oração” particular que prescinde da obrigatoriedade de ser uma linguagem humana conhecida.
Existe uma discussão em torno do fato do apóstolo Paulo usar a palavra “língua” (singular) em alguns casos e “línguas” (plural) em outros. MacArthur vê nessa distinção um indicativo de que o escritor canônico falava da primeira como sendo falsa e da segunda como legítima. Ele escreveu: “Quando Paulo usou o singular nos versos 2, 4, 13, 14 e 19, estava se referindo à falsa algaravia pagã (fala ininteligível) que estava sendo utilizada por muitos dos crentes coríntios em lugar do verdadeiro dom de línguas. Quando Paulo referia-se ao verdadeiro domde línguas, ele usava o plural.” (2002, p. 153-154)
Esta conclusão de MacArthur parece ser arbitrária. Vamos às razões.
Em nenhuma parte do capítulo 14 o escritor fala sobre um verdadeiro dom de línguas e outro falso. É possível que houvesse manifestações psíquicas e até inspiradas por demônios em Corínto – como parece ocorrer hoje. No entanto, o capítulo 14 apresenta orientações quanto ao uso do legítimo dom de línguas e isso sem nenhuma menção às contrafações. Em seu percurso pedagógico, o apóstolo se mostra categórico em tudo o que diz e, nesse caso, o que encontramos é um total silêncio a respeito de uma contraposição entre o verdadeiro e o (suposto) falso dom.
Nos versículos 18 e 19, Paulo usa “línguas” e “língua”, respectivamente, referindo-se à sua própria experiência. Disso resulta uma pergunta: praticava o apóstolo dois tipos de “língua(s)” ou, quem sabe, estamos diante do uso de “língua” como uma peculiaridade especial desprovida de qualquer sentido particular ou motivo evidente? Ao que tudo indica, o uso de “língua” por Paulo encerra apenas uma forma alternativa para “línguas” e nada tem a ver com a explicação que MacArthur apresenta.
Outra razão tem a ver com um problema de variante textual[3]. Comentando a respeito de 1ª Co 14:18, Champlin destaca o problema dizendo:
Alguns manuscritos mostram aqui a forma singular, língua, ao invés do plural, “línguas”. Assim dizem os mss Aleph, ADG (manuscritos bem antigos), bem como a tradição latina em geral. Porém, os mss P(46), B, e a maioria dos outros manuscritos gregos e das versões antigas, exibem a forma plural. No entanto, há editores que tem preferido o singular; e precisamos admitir que esse é o texto “mais difícil”, e que se pode dar-lhe a preferência, com base nesse fator. Mas, se de fato o original continha a forma singular, isso poderia dever-se simplesmente à atração exercida pela palavra subentendida “dom (de línguas)”, que está no singular. (1985, p. 222)
Frente a isso, talvez seja necessário a MacArthur antes de afirmar que “língua” representa o falso e “línguas” o verdadeiro, tratar desta variante textual dizendo por qual razão ele prefere a forma plural nesse caso. Como os livros Os Carismáticos e O Caos Carismático tem a missão de expor a “verdade” sobre o dom de línguas, ele não deveria se furtar a esse trabalho.
Caso a forma singular “língua” deva receber a preferência como variante correta, como fica o apóstolo Paulo dentro da teoria de MacArthur? Passaria ele a ser incluído no rol dos dados à algaravia pagã? Ou isso se tornaria uma cláusula de exceção dentro de um puro e simples raciocínio dedutivo?
As “Línguas” na Igreja Pós-Apostólica
Período Patrístico
É comum ouvirmos dos cessacionistas que os dons miraculosos, dentre eles o dom de línguas, acabaram depois do século I. Talvez o grande propagador dessa tese tenha sido o competente teólogo de Princeton B. B. Warfield (1851-1921). Há quem diga que algumas das obras cessacionistas modernas não passam de notas de rodapé aos trabalhos de Warfield contra a defesa continuista.
MacArthur comenta esta proposição nos seguintes termos:
Clemente de Roma, Justino Martir, Orígenes, Crisóstomo e Agostinho – alguns dos maiores teólogos da igreja antiga – consideravam as línguas uma prática remota, algo que aconteceu durante os dias mais primitivos do cristianismo. Durante os primeiros quatrocentos ou quinhentos anos da igreja, as únicas pessoas que disseram ter falado em “línguas” eram os seguidores de Montanus, que foi considerado herege, e seu discípulo Tertuliano. (2002, p. 163)
De acordo com Banister, o Dr. Stanley Burgess[4] em uma obra a respeito da história da doutrina do Espírito Santo escrita em três volumes diz: “Antes de João Crisóstomo (347-407 d.C.), no Oriente, e Agostinho de Hipona (354-430 d.C.), no Ocidente, nenhum pai da igreja disse que qualquer dom espiritual fosse concedido apenas para a igreja do século I.” (1984, p. 14 apud 1999, p. 230)
Há um choque de informações aqui. Possivelmente, as citações patrísticas a seguir resolvam o impasse.
Banister traz a baila uma citação de Irineu de Lion (c. 130-202 d.C.) em Contra as Heresias que contrapõe-se a opinião de que os dons miraculosos acabaram depois do século I.
Também ouvimos de muitos irmãos na igreja que possuem dons proféticos e através do Espírito falam todo tipo de línguas, trazem à luz coisas ocultas aos homens para o benefício geral [...] aqueles que são de fato seus discípulos [...] certa e verdadeiramente expulsam demônios, de maneira que os assim libertados dos espíritos malignos não raro crêem e juntam-se à igreja. Outros tiveram conhecimento de coisas por acontecer; tiveram visões [...] outros ainda curam os doentes impondo as mãos sobre eles, e estes são curados. Sim, mais ainda, como já disse, até mesmo mortos foram ressuscitados e permaneceram entre nós durante muitos anos.” (1999, p. 231)
O teólogo holandês Anthony Andrew Hoekema tem dúvidas sobre se realmente Irineu estava reconhecendo a presença do dom de línguasno II século ou se ele fazia menção ao fenômeno durante o período apostólico. Ele escreve: “Há alguma possibilidade de que Irineu esteja falando aqui não de um fenômeno que estivesse ocorrendo em seu tempo, mas do que havia ocorrido no tempo do Novo Testamento.” (p. 9)
Para sustentar suas suspeições Hoekema apresenta alguns argumentos que o leitor deverá consultar em seu livro. A despeito de suas suspeitas, ele faz menção ao historiador cristão Eusébio de Cesaréia (263-340 d.C.) como quem entendeu que Irineu estava descrevendo eventos ocorridos em seu tempo. Hoekema cita também João Crisóstomo (345-405 d.C.) e Agostinho (354-430 d.C.) como pais da igreja que negaram o fenômeno das línguas em seu tempo. Apesar desses testemunhos, o assunto não está encerrado, pois o teólogo latino Hilário de Poitiers, também do IV século, citado por Banister, testemunha a respeito dos dons miraculosos atuando em seu tempo daseguinte maneira:
dom do Espírito é manifesto [...] onde há [...] o dom de curas, para que pela cura da enfermidade possamos (ênfase nossa) dar testemunho de sua graça [...] ou pela operação de milagres [...] ou pela profecia [...] ou pelo discernimento de espíritos [...] ou por tipos de línguas, para que o falar em línguas possa ser concedido como sinal do Espírito Santo; ou pela interpretação de línguas. (1999, p. 232)
Observe que o verbo em negrito está na terceira pessoa do plural do presente do indicativo.
O excerto de Irineu é posto em dúvida como referindo-se a manifestações de seu tempo. No entanto, Eusébio de Cesaréia confirma que o teólogo grego está tratando do fenômeno das línguas em seus dias, por isso, talvez, o mais prudente seja dar crédito ao testemunho desse historiador. Junte-se a isso o que disse Hilário de Poitiers e uma fala de Agostinho que apresentaremos em seguida.
MacArthur classifica o dom de línguas como sendo um dom de milagres e esses, segundo ele, terminaram com os apóstolos. Porém, Agostinho, em A Cidade de Deus, fala sobre milagres operados em seu tempo como aqueles realizados no período apostólico. Leiamos:
[...] muitos milagres operados, estando ainda o mesmo Deus que operou aqueles de quais lemos a realizá-los (ênfase minha) [...] Um milagre foi operado entre nós mesmos [...] Suponho que não há morador de Hipona que não tenha visto ou ouvido falar dele [...] Havia sete irmãos e três irmãs [...] todos tomados de um tremos horrível nas pernas [...] Dois deles vieram a Hipona [...] Vinham todos os dias à igreja e especialmente ao santuário do muito glorioso Estêvão, orando para que Deus pudesse ser apaziguado e restaurasse sua saúde [...] Chegou a Páscoa, e no dia do Senhor [...] o jovem estava agarrado ao santo lugar onde estavam as relíquias, e, orando, subitamente caiu ao chão, ficando exatamente como se estivesse dormindo, mas não tremendo como fazia mesmo enquanto dormia. Todos os que estavam presentes ficaram atônitos [...] E veja! Ele se levantou, já não tremia, pois havia sido curado.
Evidente que não há uma referência direta ao dom de línguas, mas o fragmento contraria a afirmação de Warfield, MacArthur e de outros cessacionistas que dão por finalizada a era de milagres com o desaparecimento dos apóstolos. A esse respeito Grudem (1999) diz que as evidências históricas da continuidade da manifestação dos dons miraculosos são cada vez mais fortes.
Pelo exposto, afirmar peremptoriamente uma aprovação ou negação da patrística quanto a continuidade da glossolalia não é uma tarefa fácil. Porém, as fontes parecem favorecer os continuistas, pois, mesmo que existam pais da igreja que neguem a manifestação do dom de línguas em seus dias, acerca disso pode-se argumentar que esses testemunhos talvez estejam circunscritos ao raio de ação deles, ou seja, eles não tinham conhecimento de tudo que estava acontecendo na vida da Igreja nesse sentido. Ou então, sabiam, mas reputavam como espúrios. No entanto, para tanto, homens como Crisóstomo teriam que alinhar Irineu de Lion, consubstanciado pelo testemunho de Eusébio de Cesaréia, e Hilário de Poitiers, com movimentos espúrios, atitude esta que bastante temerária. Vale lembrar que Poitiers e Crisóstomo pertencem ao mesmo século. Uma outra maneira de tentar dissipar as dúvidas e contradições seria uma exegese bem minuciosa dos textos patrísticos que tratam da questão, assim como fizeram com a citação de Irineu de Lion. Desconhecemos algum trabalho escrito nesse sentido.
Aparentemente, o dom de línguas desapareceu virtualmente (isso num sentido da profusão e não da total ausência) pelos idos do século IV. Hoekema questiona: “se a glossolalia é um dom do Espírito tão importante como os pentecostais e neopentecostais de hoje afirmam, porque Deus permitiu que simplesmente desaparecesse da igreja?” (p. 11). Uma possível resposta a esta pergunta é o violento e crescente institucionalismo da igreja e um descaso para com o dom de línguas. Não dependia apenas de Deus a manifestação do dom de línguasassim como não dependia somente dEle que a igreja pautasse sua vida espiritual e doutrinal apenas pelo conteúdo dos livros canônicos. Enquanto não surgiu quem irrompesse com o brado Sola Scriptura contra o amálgama Escrituras, Tradição e Magistério da Igreja Católica Apostólica Romana, as coisas continuaram mescladas durante séculos.
Período da Reforma
Não existem reflexões de Lutero e Calvino sobre o dom de línguas. No entanto, isso não indica silêncio absoluto. É compreensível que os reformadores não tenham se debruçado sobre o tema, pois seus interesses teológicos gravitaram em torno de questões mais essenciais à fé cristã como a justificação pela fé. Mesmo assim, encontramos na história alguns excertos abordando, direta ou indiretamente, o assunto aqui discutido. Lutero, por exemplo, disse:
Não tenho conselho humano nenhum para lhe dar. Se os médicos não conseguem encontrar um remédio, pode ter certeza de que não é um caso de melancolia comum. Antes, deve ser uma aflição que vem do diabo e deve ser desafiada pelo poder de Cristo e pela oração dafé. Assim, você deve fazer o seguinte [...] Pela graça digne-se a libertar esse homem do maligno e aniquile a obra que satanás fez nele [...] Então, quando partir, imponha as mãos sobre o homem novamente e diga: “Estes sinais seguirão os que crêem; imporão as mãos sobre os enfermos, e estes serão restaurados.” (LUTERO, p. 52 apud BANISTER,1999, p. 234)
Neste excerto, Lutero não diz nada, de modo direto, sobre o dom de línguas. Contudo, ele faz menção a Marcos 16:17-18 uma escritura que trata também do dom de línguas. O texto na íntegra diz: “Estes sinais hão de acompanhar aqueles que crêem: em meu nome expelirão demônios; falarão novas línguas; pegarão em serpentes; e, se alguma coisa mortífera beberem, não lhes fará mal; se impuserem as mãos sobre enfermos, eles ficarão curados.[5]”
Lutero admitia para seu tempo as curas como sinal. Ao citar a referência marcana e sua expressão plural “estes sinais” é verossímel que ele aceitasse o falar em novas línguas como uma possibilidade contemporânea.
Em linhas gerais, o que precisa ficar claro nesse momento é que a não abordagem pelos reformadores do assunto em questão não prova em nada a cessação do dom de língua. O foco teologal deles era outro. Devemos observar de igual modo que outros temas teológicos importantes como os escatológicos não receberam a atenção deles.
Período Pós-Reforma
Hoekema nos informa que os quakers, os discípulos de Whitefield e Wesley falaram em línguas e que nos avivamentos dos Estados Unidos, Escócia e País de Gales aglossolalia ocorreu. Ele fala também sobre o fenômeno de línguas na Rússia e Armênia.
Embora Hoekema destaque algumas manifestações das línguas em grupos que ele considera heréticos e em outros que não são, e ainda faça menção do surgimento e do vigor do movimento pentecostal, ele afirma que devemos voltar nossos olhos para o passado pós-apostólico da igreja (cerca de 1800 anos) como um testemunho contra a tese continuista. Leiamos as palavras dele: “A voz da história daigreja parece dizer-nos que o Espírito não tem seguido outorgando este dom ao povo de Deus, ao tempo em que tem seguido guiando a sua igreja em toda a verdade.” (p. 14)
Duas ressalvas em relação às palavras supra precisam ser feitas.
A primeira é que a voz da história da igreja nem sempre foi confiável. A única maneira de acatarmos a voz da igreja de modo seguro é quando as Escrituras estão à frente dela e, no que tange à futura cessação do dom de línguas, logo após o período apostólico, objetivamente, elas nada ensinam. Aliás, não existem textos bíblicos nos quais os adeptos do cessacionismo possam se apoiar. O máximo que eles conseguem é construir “bons” argumentos a partir do raciocínio dedutivo.
A segunda tem a ver com Grudem e Banister que dizem haver uma farta produção acadêmica demonstrando que Deus continuou dando, em toda a história da igreja, os dons miraculosos, dentre eles, o de línguas. Sendo assim, a voz da história da igreja diz o oposto do que Hoekema atribui a ela. Nesse caso, devemos ouvi-la, pois ela está calçada escriturísticamente: “Quando, porém, vier o que é perfeito (2ª Vinda de Cristo), então o que é em parte (profecia, línguas e outros dons imperfeitos) será aniquilado.” (1ª Co 13:10)
Hoekema está certo quando declara que o Espírito Santo guia a igreja a toda verdade. A essa declaração é conveniente acrescentar a verdade de que a verdade, via de regra, parece estar sempre no meio do caminho.
* Mais um pouco sobre as origens do movimento carismático moderno
O moderno movimento carismático tem suas origens vinculadas aos Estados Unidos e a antiga União Soviética. Os estudiosos, concordemente, dizem que o movimento carismático surgiu com Charles Fox Parham, diretor do Bethel Bible College, de Topeka, estado de Kansas, nos Estados Unidos. Em 1º de janeiro de 1901 o fenômeno das línguas, em Topeka, foi noticiado. Porém, é no estado daCarolina do Norte, em 1896, que esse fenômeno é antecipado por William F. Bryant. O renomado avivamento da Rua Azusa, de Los Angeles, sob a liderança de William J. Seymor, exerceu grande influência nos inícios do movimento carismático (CHAMPLIN, 2008). Walker apresenta o início da Missão Azusa como segue:
Frank Bartleman era um evangelista Holiness que recebera notícias do avivamento em Gales ocorrido em 1904 e desde então dedicou sua vida para orar e publicar literatura conclamando outros a orar e buscar avivamento pata Los Angeles. Ele entrou em contato com Seymour, que, por falta de espaço, alugara um velho galpão na Rua Azusa e então o fogo se alastrou. A partir de Azusa o fogo do avivamento espalhou-se por todos Estados Unidos. Através de toda a nação centenas de congregações independentes eram formadas da noite para o dia, providenciando a base para o que se tornaria mais tarde as Igrejas Assembléias de Deus. (2001, p. 18-26)
Na “terra brasilis” foram os missionários suecos Gunnar Vingrem e Daniel Berg que trouxeram a mensagem pentecostal. Depois de um contato com um grupo de oração em Chicago, eles receberam uma profecia para se dirigirem a “um estado chamado Pará”. Obedientes à voz divina, chegaram à cidade de Belém e fundaram a Igreja Assembléia de Deus quatro anos antes das Igrejas Assembléias de Deus dos Estados Unidos serem organizadas. Todos esses movimentos tiveram a manifestação do dom de línguas.
Uma Interpretação de 1ª aos Coríntios 13:8-10, 12
O amor jamais acaba; mas, havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará; porque em parte conhecemos, e em parte profetizamos. Quando, porém, vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado [...] Porque agora vemos como em espelho obscuramente, então veremos face a face; agora conheço em parte, então conhecerei como também sou conhecido.
A cessação do dom de língua está prevista nas Escrituras, pois esse, e demais dons, pelo menos quanto às suas expressões terrenais, são transitórios e imperfeitos. A indicação desse desaparecimento é apresentada sem sombras e enigmas na referência supra.
* “O amor jamais acaba; mas, havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará;” 
O apóstolo vaticina: o amor é infindável e nunca perde a validade! Contrastando com isso está a afirmação da natureza temporária das “línguas”: “havendo línguas, cessarão”. Paulo usa a palavra pausontai (do verbo pauo) no tempo futuro indicativo médio e isso significa que as línguas cessarão automaticamente (RIENECKER, ROGERS, 1995). Aqui cabe uma observação mais detalhada, pois, devido ao uso dos verbos katargeo para o desaparecimento da profecia e do conhecimento e de pauopara a cessação das línguas, faz com que intérpretes cessacionistas pensem em dois momentos de desaparecimentos dos dons. MacArthur escreveu:
É importante notar que em 1ª Coríntios 13:8 as palavras empregadas dão uma visão clara de que as línguas cessarão num período de tempo diferente da profecia e do conhecimento. Quanto à profecia e ao conhecimento lemos que “desaparecerão”, “passarão”, “serão abolidos” ou “tornados sem efeito”, dependendo da tradução. A raiz grega aqui para “desaparecerão” é katargeo. A mesma palavra grega é usada com referência a profecia e ao conhecimento, mas não é o verbo utilizado por Paulo para dizer como cessariam as línguas. A palavra grega usada com referência às línguas épauo, que significa simplesmente parar. (2002, p. 159)
Com essa ênfase no uso de diferentes verbos pelo apóstolo, MacArthur conclui que a profecia e o conhecimento desapareceriam sob a influência do “que é perfeito”, ao passo que o dom de línguas cessará também, só que antes do aparecimento do “que é perfeito” e por si mesmo. Ele diz mais: “É por isso que vemos desaparecerem as línguas do texto depois do versículo 8, enquanto as referências ao conhecimento e á profecia continuam.” (idem)
Grudem não está de acordo com ele:
Sem dúvida, Paulo, pretendia incluir também no sentido do versículo 9 as línguas como uma das atividades “imperfeitas”, mas omitiu a repetição excessivamente pedante por razões estilísticas. Contudo, as línguas devem ser entendidas como parte do sentido do versículo 9, que constitui a explicação do versículo 8, como mostra a palavra “porque” (gr. gar). Dessa maneira, o versículo 9 deve dar a razão pela qual as línguas vão cessar, tal como o conhecimento e a profecia. De fato, a repetição de “se [...] se [...] se [...]” no versículo 8 sugere que Paulo poderia ter alistado mais dons aqui (sabedoria, cura, interpretação?) se quisesse. (1999, p.875)
O Dr. Simon Kistemaker comentando a questão diz a mesma coisa que Grudem:
O verbo cessar da segunda cláusula é um sinônimo e uma variante do verbo colocar de lado (vs 8, 10, 11). Não há quase nenhuma distinção entre os dois verbos gregos que descrevem o término tanto de profecia como de línguas. É verdade que o verbo com profecias está na voz passiva (os crentes são os agentes implícitos), enquanto o verbo com línguas é interpretado como estando na voz ativa. A diferença é apenas uma mudança estilística, e nada mais. (2004, p. 643-644).
O que parece evidente nestes excertos é que a presença de dois verbos diferentes no versículo 8 não indica necessariamente que esteja em foco algum sentido particular, mas que isso representa apenas uma peculiaridade especial sem motivos óbvios.
* “porque em parte conhecemos, e em parte profetizamos.”
A razão da cessação do dom de línguas é a mesma do dom de conhecimento e de profecia. Todos só podem gravitar em torno do que é parcial e neles não há completude. Muito embora o dom de línguas possa edificar a igreja e quem o possui, nunca tal edificação abarcará todas as solicitudes de quem quer que seja. Aos crentes está franqueado no estado terrenal o acesso a diversas grandezas espirituais, mas isso reduzido às sombras, reflexos e imperfeições, visto que eles estão no estado de mortalidade. Por isso, embora eles desfrutem de grandezas divinas, tudo se reduz a uma experiência marcada por fluxos. No entanto, isso não será assim para sempre, pois não é intenção divina tal condição. Em Deus não há o propósito da privação do crente quanto ao que é elevado e perfeito. Depararemo-nos com um estado de plenitude e perfeição, e isso será inaugurado quando “vier o que é perfeito”.
* “Quando, porém, vier o que é perfeito, então o que é em parte será aniquilado.”
Chegamos ao tempo em que o dom de línguas cessará: quando “vier o que é perfeito”. São três as maneiras de interpretar esse “perfeito”:
O fim da era apostólica que deixou revelada e ensinada, como legado aos crentes, as doutrinas centrais da fé cristã.
O encerramento do cânone das Escrituras que deixou-nos uma fonte fidedigna da autêntica doutrina cristã.
A parousia que porá fim a tudo que é imperfeito e parcial.
A terceira alternativa condiz mais com o contexto.
A vinda desse “perfeito” é marcada por ações poderosas e definitivas. Ele eliminará o que é em parte, tudo que é imperfeito há de ser substituído por percepções verdadeiras e toda inadequação do atual conhecimento humano cederá lugar a um tipo de conhecimento segundo o que Deus tem do próprio homem (um conhecimento perfeito). Tudo isso é dito contrastando a atual dispensação e a por vir que será inaugurada pela Segunda Vinda de Jesus Cristo.
* “então veremos face a face.”
A expressão “face a face” é outra prova de que o “perfeito” que está por vir é o tempo da parousia.
No Antigo Testamento, a frase “face a face” significa ver Deus pessoalmente:
“Àquele lugar chamou Jacó Peniel, pois disse: Vi a Deus face a face, e a minha vida foi salva.” (Gn 32:30)
“Falava o Senhor a Moisés face a face, como qualquer fala a seu amigo [...]” (Ex 33:11)
“Face a face falou o Senhor conosco [...]” (Dt 5:4)
“Nunca mais se levantou em Israel profeta algum como Moisés, com quem o Senhor houvesse tratado face a face.” (Dt 34:10)
“Viu Gideão que era o Anjo do Senhor, e disse: Ai de mim, Senhor Deus, pois vi o Anjo do Senhor face a face.” (Jz 6:22)
Não há dúvidas que a expressão paulina “face a face” é uma lembrança das experiências apresentadas nos textos veterotestamentários. A visão beatífica referida por Paulo trata do contato direto e imediato com o Cristo que proporcionará ao crente uma inédita e grandiosa revelação do Senhor, acontecimento marcado para o tempo daparousia. É evidente que essa benção é preliminar e inaugurará um tempo de experiência permanente da visão beatífica na Nova Jerusalém como ensina Apocalipse 22:3-4: “[...] os seus servos o servirão, contemplarão a sua face [...]”.
Alguns cessacionistas afirmam que a expressão “face a face” não passa de um contraste relacionado a expressão “vemos como em espelho obscuramente”. Em outras palavras, eles fazem a primeira referir-se a uma maior compreensão em contraposição à segunda que trata doque é parcial. Assim, o conteúdo do versículo 12 não se relaciona com o versículo 10 nos termos propostos neste artigo. Concluem eles, então, que o “perfeito” seria o cânon do Novo Testamento fonte perfeita e completa que suplantaria profecia, as línguas e o conhecimento (fontes de conhecimentos revelacionais). Há problemas graves nessa interpretação.
Sobre o tempo de cessação do dom de línguas (e demais dons), além dele proporcionar uma transposição do que é parcial, imperfeito e temporário, ele também facultará ao crente a seguinte experiência: “agora, conheço em parte, então conhecerei como também sou conhecido”. Uma pergunta então surge: mesmo com o cânon neotestamentário em mãos os crentes possuem o conhecimento pleno e total? O cânon das Escrituras trouxe um amplo conhecimento revelacional, mas ele não tirou os crentes de uma vez por todas do estado de um conhecimento parcial. Isso não significa dizer que o escritor não fala de um tempo de conhecimento pleno. Ele aborda essa questão quando diz: “então conhecerei como também sou conhecido”. Rienecker e Rogers apresentam o seguinte comentário do Dr. C. K. Barret a respeito dessas palavras: “As palavras apresentam a inadequação do atual conhecimento humano de Deus, em contraste com o conhecimento que Deus tem do homem e o conhecimento de Deus que os homens terão na era futura (ênfase nossa).” (1968, 1995, p. 320).
De acordo com as palavras em negrito, apenas na era futura (inaugurada pelaparousia) é que Paulo espera superar o conhecimento parcial. Apenas lá será possível conhecer como Deus conhece já. É lógico que o apóstolo não pensa em um conhecimento pessoal infinito ou onisciente (GRUDEM 1999).
Outro problema com esse argumento é que ele despreza o significado claro apresentado pelas Escrituras para a expressão “face a face”. Tanto no Antigo Testamento, como no Novo, conforme já demonstrado, essa expressão está vinculada à visão beatífica de Deus. Do ponto de vista hermenêutico, devemos preferir o entendimento de “face a face” como sendo uma visão da pessoa de Deus, pois, de modo explícito, a Bíblia diz que é isso o que é ou significa a expressão.
Vale ressaltar também que o argumento cessacionista em questão esquece-se de pensar sobre a conexão gramatical que o advérbio “então” (o antecedente de “veremos face a face”) exige. Leiamos mais uma vez Grudem:
[A] palavra “então” só pode se referir a algo nos versículos anteriores que ele [Paulo] já explicou. Olhamos primeiro para o versículo 11, mas percebemos que nada ali pode ser a época futura a que Paulo se refere como “então” [...] Nada no versículo fala de uma época futura em que algo irá acontecer. Assim, olhamos mais para trás, para o versículo 10. Aqui temos uma declaração acerca do futuro. Paulo diz que, em algum ponto do futuro, virá “o que é perfeito” e “o que é em parte” irá desaparecer, irá se tornar inútil Quando isso vai acontecer? Isso é o que se explica por meio do versículo 12. Então, no tempo em que vier o que é perfeito, veremos “face a face” e conheceremos “como também somos conhecidos”. Isso significa que o tempo em que virá “o que é perfeito” deve ser o tempo da volta de Cristo. (idem p. 875-876)
Por fim, caso esse argumento cessacionista deva ser considerado legítimo, de igual modo deveremos considerar legítimo o fato de que com a conclusão do cânon das Escrituras nosso entendimento seria mais completo que o de Paulo. Será que existe algum dogmático que admita tal coisa?
Como se não bastasse tudo que já foi dito, outra prova de que o dom de línguas durará até a parousia pode ser apresentada. Ela encontra-se em 1ª Coríntios 1:7: “De maneira que não vos falte nenhum dom, aguardando vós a revelação de nosso Senhor Jesus Cristo.” Esta referência enquadra-se em um termo técnico usado pelos reformadores no século XVI para tratarem da clareza da Bíblia: perspicuidade das Escrituras. Era crença dos reformadores que a Palavra de Deus possui passagens tão claras que prescindem de qualquer ferramenta interpretativa mais sofisticada. A referência corintiana acima é uma dessas. Está clara a afirmação do autor de que os dons estariam com os coríntios até a segunda vinda de Cristo. Qualquer leitor mais atento chegará a esta conclusão. Caso alguma dúvida possa surgir, o contexto imediato corrobora tal compreensão apresentando o versículo 8 que trata do “dia de nosso Senhor Jesus Cristo.”
Esse conjunto de argumentos parece ser suficiente para reafirmar que há um tempo determinado para a cessação do dom de línguas e que tal tempo é a parousia. De igual modo, a exposição aqui feita sugere que os cessacionistas possuem argumentos assumidos sobre a descontinuidade do dom de línguas e, isso, muitas vezes, às custas da boa interpretação bíblica. A esse respeito o teólogo Vincent Cheung diz: “Quanto ao cessacionismo, ou a crença de que os dons miraculosos cessaram após o primeiro ou segundo século [...] por ora, apenas diremos que o cessacionismo vem de uma interpretação muito forçada e não convincente da Escritura.” (2005, p. 11)
Considerações finais
Findando, ainda queremos argumentar um pouco mais a respeito de nossa convicção. Para isso, evocamos uma passagem bíblica que, embora disputada[6], pode nos servir dentro do conjunto da obra aqui exposto. Trata-se do texto de Marcos 16:17-18. Ele foi citado anteriormente devido á uma citação de dele por parte de Lutero. Agora, pretendemos enfatizá-lo dentro do contexto da Grande Comissão. Leiamos-o:
Estes sinais hão de acompanhar aqueles que creem: em meu nome expelirão demônios;falarão novas línguas (ênfase nossa); pegarão serpentes; e, se alguma coisa mortífera beberem, não lhes fará mal; se impuserem as mãos sobre enfermos, eles ficarão curados.
“Falar em novas línguas”, conforme o texto marcano, iria acompanhar a todos os que acreditassem no Senhor Jesus. Este sinal está vinculado à evangelização (16:15). Seria um sinal junto aos descrentes (1ª Co 14:22). A questão é: ninguém reduz o “ide” do versículo quinze ao trabalho dos apóstolos. Tanto continuistas como cessacionistas dizem que o cumprimento da Grande Comissão pertence a Igreja em todas as eras até aparousia. Ora, porque ensinar isso e negar aquilo visto estarem ambas as coisas dentro do mesmo contexto? Não há sentido lógico, do ponto de vista hermenêutico, reduzir a utilidade do “falar em línguas” ao tempo apostólico e defender que a ordem de evangelizar é atemporal. O sinais dos versículo 17-18 atestam a autenticidade do evangelho pregado e eles são inseparáveis.
Além de toda argumentação apresentada, é possível apresentar uma lista de notáveis e piedosos estudiosos que na atualidade defendem a continuidade da glossolalia. Eles vão surgindo de diversas denominações como batistas, presbiterianos, tradicionais, assembleianos (obviamente), etc. Nomes como o de John Piper, Mark Driscoll, D. A. Carson, Vincente Cheung, Paul Walsher, Jack Deere, Wayne Grudem, Stanley M. Horton, Gordon Fee, Anthony D. Palma, Gordon Chown, Hernandes Dias Lopes, Paulo Romeiro, Esdras Costa Bentho, Claudionor de Andrade, Antonio Gilberto e Esequias Soares compõem esse universo. Ninguém pode olvidar-se de que a defesa daatualidade do dom de línguas está amparada por uma erudição respeitável e por uma piedade nos melhores moldes bíblicos.
Sendo assim, perguntamos: em qual direção apontam as evidências internas (bíblicas) e externas tratadas aqui? Para a tese continuista, acreditamos. Nós não teríamos dificuldades em nos tornar adeptos do cessacionismo se as evidências apontassem nesta direção. Mas esse não é o caso. No entanto, a despeito da nossa posição, desejamos usar esse momento de conclusão de nosso trabalho para dizer que escolhemos primar pela proximidade e fraternidade junto a nossos irmãos cessacionistas independente da divergência apresentada. Nosso texto, embora parta do pressuposto de que o dom de línguas é para o dia de hoje, a intenção final dele é unir e não dividir.
Embora esse artigo tenha se tornado longo é claro que ele não esgota o assunto. Muito mais poderia ter sido dito, mas isso ficará para outra oportunidade. Digo isso no que tange ao meu esforço de pesquisa e reflexão, pois sabemos que textos mais completos já foram escritos e estão disponíveis para aqueles que se interessarem pelo assunto.



Referências



AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus. São Paulo: Paulus, 1997.
BANISTER, Doug. A Igreja da Palavra e do Poder. São Paulo: Vida, 1999.
BURGES, Stanley. The Spirit and the Church: antiquit, Peabody, Hendrickson, 1984. In: BANISTER, Doug. A Igreja da Palavra e doPoder. São Paulo: Vida, 1999.
BARRET, C. K. A Comementary on the First Epistle to the Corinthians. Londres: Adam and Charles Black, 1968. In: RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. 
Chave Linguística do Novo Testamento Grego. São Paulo: Vida Nova, 1995.
CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado Versículo Por Versículo, vol. 4. São Paulo: Millenium, 1985.
__________ Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, vol. 4. São Paulo; Hagnos 2002.
CHEUNG, Vincent. Cura Bíblica. Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/livros/cura_biblica_cheung.pdf> Acesso em: 11 de fevereiro de 2012.
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999.
HOEKEMA, Anthony. E as Línguas? Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/14138913/E-AS-LINGUAS-Anthony-Hoekema-> Acesso em: 11 de fevereiro de 2012.
KISTEMAKER, Simon. Comentário do Novo Testamento: 1ª Coríntios. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
MACARTHUR, John. Os Carismáticos. São José do Campos-SP: Fiel, 2002.
RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave Linguística do Novo Testamento Grego. São Paulo: Vida Nova, 1995.
WALKER, John. A História Que Não Foi Contada. Americana-SP: Worship, 2001.
* Pós-Graduado em Metodologia do Ensino Superior. Pós-Graduado em Ciências da Religião. Graduado em Pedagogia e Teologia.
[1] São aqueles que creem na atualidade dos dons espirituais. Neste artigo, consideramos continuistas todos evangélicos que defendem a contemporaneidade dos dons e, isso, sem nos preocuparmos com distinções quanto a glossolalia ser ou não evidência do Batismo no Espírito Santo.
[2] São os que afirmam que alguns dons do Espírito Santo foram úteis apenas para o período da Igreja primitiva e que posteriormente cessaram.
[3] São as diferentes formas conhecidas do mesmo texto, conforme encontradas nos diversos manuscritos.
[4] Dr. Stanley M. Burgess (PhD, University of Missouri, Columbia) é um professor de estudos religiosos da Southwest Missouri State University e especialista em história do pensamento cristão.
[5] Cinco sinais dariam autenticidade à mensagem que seria pregada. Três deles se manifestaram no primeiro século: expulsão de demônios, falar novas línguas e curar os enfermos. Os outros dois não são registrados no Novo Testamento. Não se deve entender a manifestação desses sinais como sendo provocados deliberadamente. Eles sós e tornariam sinais caso os discípulos fossem obrigados a pegar em serpentes ou beber alguma coisa mortífera.
[6] O original grego de Marcos vai somente até o versículo 8. Já o material constante do verso 9º ao 20º é uma adição posterior que objetiva sumariar fatos históricos registrados em Atos e nos outros evangelhos. A construção de doutrinas baseadas nesses versículos não é recomendada.

sábado, 8 de março de 2014

Uma Defesa da Contemporaneidade do Dom de Línguas

por Zwinglio Alves Rodrigues*

Uma Defesa da Contemporaneidade do Dom de Línguas 

Zwinglio Alves Rodrigues* 

Resumo: 
Este artigo pretende mostrar que o dom de línguas manifestado na igreja  primitiva não ficou circunscrito ao primeiro século da era cristã. Uma significativa parte  da igreja protestante advoga que a glossolalia (palavra grega para “falar em línguas”)  continua atual e atuante no seio da Igreja. Nós comungamos com esta defesa. Para  articular esta defesa da contemporaneidade do dom de línguas, valemo-nos de uma  pesquisa bibliográfica. No texto que segue, inicialmente, fazemos uma abordagem do  Novo Testamento destacando passagens clássicas que versam sobre nossa temática. 
Depois, pesquisamos de modo breve a presença das “línguas” no período pós-apostólico  e, por fim, oferecemos uma interpretação da disputada referência de 1ª aos Coríntios 
13:8-10, 12.

Palavras-chave: Dom de Línguas. Continuismo. Cessacionismo. 
Introdução 
Como denota o título do artigo, pretendemos aqui articular uma defesa da contemporaneidade do dom de línguas. É histórico o debate (e a discórdia) que envolve  os chamados continuistas[1] e cessacionistas[2]. No passado, mais precisamente em referência ao avivamento da rua Azusa, por exemplo, a divergência era tão acentuada que alguns fundamentalistas disseram do dom de línguas como sendo “essa tagarelice  satânica”. Porém, o debate hoje em dia cada vez mais se no âmbito dialogal. 
Talvez, esse debate esteja arrefecendo devido à adesão de líderes piedosos de destaque no cenário internacional ao seguimento continuista, fato que possivelmente esteja nos  levando para o sepultamento da necessidade de discutirmos a contemporaneidade do  dom de línguas. É verdade que não devemos esperar que todos os cessacionistas se  tornem continuistas, contudo, pode ser que cheguemos ao ponto de vermos pessoas  debatendo sobre isso sozinhas.
Enquanto esse tempo não chega, entendemos que o debate no nível dialogal e do  respeito é sempre bem vindo. Ninguém duvida que ambos os lados tem muito a  aprender um com o outro. Se souberem submeter as divergências ao amor, uma união,  marcada pela graça que superabunda, pode surgir. 
A defesa que segue pautar-se-á em uma breve abordagem do Novo Testamento. Serão  destacadas a experiência do Dia de Pentecostes e outras referências no livro de Atos que  apresentam o fenômeno das línguas. Depois, um comentário sobre o dom de línguas em  aos Coríntios será tecido. Na sequência, serão repassadas algumas informações sobre  o dom de línguas no período pós-apostólico. Nesse momento, uma tentativa de  demonstrar a presença do dom de línguas durante o período patrístico será levada a  efeito. Posteriormente, será comentada, de relance, a ausência de relatos sobre as 
línguas por parte dos reformadores. 
Em seguida, alguns destaques serão dados à manifestação do fenômeno no período pós-reformadores e, por fim, desaguaremos no  século XX tecendo breves considerações. Dentro desse percurso, discutiremos 
Finalmente, uma interpretação de 1ª aos Coríntios 13:8-10, 12 será apresentada.

Uma Breve Abordagem Neotestamentária
Acesse um link e leia o artigo na integra